O trem afoito
apitou. Era hora de partir. As malas já haviam sido guardadas no vagão, e eu
deveria embarcar.
Entrei e me sentei antes que o trem
partisse. Abaixei a janela, e com um sinal de adeus lancei o lenço branco em
minha mão, sacudindo-o. Com os segundos seus pais desapareciam da estação
distante.
Meu destino era um colégio para moças numa
cidade distante. Meus pais faziam questão que eu aprendesse como me portar na
sociedade, como ser uma dama perfeita.
As paisagens à frente se formavam e depois
sumiam de meus olhos. À medida que o tempo passava, o inicio daquele livro
grosso se tornava mais interessante. Era um romance policial. Até o trem chegar
ao meu destino, já tivera passado por diversas estações, sendo que o horário
que partira era manha e por hora era quase noite.
O trem seguiu seu caminho deixando apenas
eu, minhas malas e a solidão. Sentia-me completamente perdida. Não havia
ninguém que viera me buscar. Minhas mãos apenas seguravam um papel que continha
o endereço da escola.
A mala pesava, mas caminhei sem reclamar
pela estação. Um pouco de suor começou a contagiar meu rosto, precisava
respirar um pouco. Parei a frente de uma praça. Algumas pessoas conversavam em
rodas, outras estavam a passeio, e distante de mim do outro lado havia uma
tenda, onde alguém vendia algo. Não conseguia ver direito, além de estar longe
de mim, uma árvore imensa estava no caminho.
Precisava ver o que era vendido ali. Peguei
a mala ostensiva, e caminhei o mais rápido que pude. Com a minha aproximação
pude notar que a tenda estava coberta de rosas engrenadas e um jovem homem as
vendia.
- Boa noite
senhorita.
Não respondi.
Não porque era grossa, mas porque o ar me faltava. Ele me observava tentando
ler meus pensamentos confusos.
- Gostaria de
lhe oferecer essa rosa – disse ele, pegando-a e trazendo a mim.
Não existia maldade em seus olhos, mas sim
doçura. Ele parecia ser gentil e meigo. A rosa que ele segurava estava murcha e
sem cor, com suas engrenagens enferrujadas. Porque ele me oferecia aquela
rosa?? Sendo que haviam outras muito mais belas. Não fazia sentido, e eu também
não desprezaria o seu mau gosto.
Joguei a mala no chão. Tirei a luva branca
para que não sujasse. A partir do momento que eu segurei a rosa, num espaço
muito curto de tempo, ela foi retornando a vida, fazendo o vermelho cintilante
ressurgir. Quanto as engrenagens cheias de ferrugem, voltaram a circular como
se nunca tivessem parado.
Ninguém ria, ninguém falava. Todos na praça
estavam parados. Talvez alguns estivessem aterrorizados, mas não era um
sentimento compartilhado por todos. Até que alguém gritou:
- A maldição
foi quebrada!
Que maldição
seria aquela? De que estavam falando? Indaguei mentalmente aturdida.
- Há muitas
gerações passadas, foi jogada uma praga sobre minha família. Nós nunca veríamos
as cores do mundo enquanto não deixássemos de lado a avareza. O tempo foi
passando, e nenhum dos meus antepassados que se encontram mortos preferiram ver
as cores do mundo á perder suas riquezas, ganhas de modo sujo. Quem conseguisse
fazer essa rosa voltar a funcionar traria consigo a paz para meu coração e o
mundo se faria em
cores. Obrigado por finalmente aparecer para mim.
Sim, a maldição foi desfeita. O nobre
vendedor de flores engrenadas pode desposar de mim. Com o tempo criamos nossa
própria riqueza de forma honesta. Mesmo que o tempo tenha passado e hoje esteja
coberta pelas marcas da velhice ainda guardamos a temerosa rosa, para que nunca
esqueçamos do passado e a maldição das cores não vistas.